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Histórias de Família

As lembranças que trazemos da infância, de nossa convivência com a família e dos ambientes e suas energias podem ser um precioso material para o resgate de nossas vivências e, ao mesmo tempo, um recurso para construção de um novo olhar sobre elas. Cada familiar, com suas características de personalidade, seu modo de ver o mundo e de se expressar, assim como as experiências compartilhadas, são peças fundamentais de nosso “quebra-cabeças” pessoal. Quando resgatamos essas histórias de família, podemos reforçar o sentimento de pertencimento e reconhecimento de nossa própria constituição. Ao nos reaproximarmos dessas vivências, temos a oportunidade de ressignifica-las e encontrarmos nelas elementos que nos ajudam a desenvolver o perdão, a gratidão e o respeito por cada membro da família e sua contribuição para que nos tornássemos o que somos.


Histórias de Família: O Homenzinho da Coca-Cola


Havia um homenzinho bem pequenino perdido dentro de alguma garrafa de Coca-Cola. Minha tia tinha verdadeiro pavor de encontrar essa criatura. Todos os domingos, no almoço, na casa do meu avô, quando alguém abria uma garrafa de Coca-Cola, a tia lembrava de comentar e alertar a todos sobre o tal homem. Eu, criança de não sei quantos anos, não podia compreender os receios da tia. Para mim não haveria nada mais interessante e emocionante do que encontrar, conhecer e interagir com aquele serzinho misterioso que habitava tão inusitada moradia. Passei uns bons momentos de minha infância refletindo sobre a vida do homenzinho da Coca-Cola. Se ele podia respirar submerso, se passava todo o tempo nadando ou se possuía a capacidade de caminhar mergulhado, se além do homenzinho, havia também sua casinha e todos os seus pertences, se ele vestia roupinhas de mergulho ou simplesmente um calção. Como seria incrível trocar algumas palavras, fazer perguntas, explorar esse outro modo de vida, tão estranho, tão surpreendente. Afinal, como seria viver dentro de uma garrafa de Coca-Cola? Como ele foi parar lá? Que sonhos, que pensamentos teria essa pequena criatura?

Explorava essas conjecturas, interrogava a mim mesma e eventualmente a algum adulto sobre a vida do homenzinho. Não falavam muito mais sobre ele, a não ser da possibilidade de encontra-lo dentro da garrafa. Era um grande mistério.

Porém, um dia, não me recordo qual, toda a fascinante imagem do pequeno homem da Coca-Cola, com seu misterioso modo de vida e seus pequenos objetos submersos no liquido gasoso, foi por terra. Descobri precocemente (e digo precocemente porque gostaria de não ter descoberto jamais ou pelo menos até abandonar completamente a infância – coisa que não aconteceu) que nosso amiguinho, meu e de minha tia, na verdade, não era uma pequena pessoa que vivia dentro de uma garrafa de Coca-Cola, mas sim, um pequeno pedaço de pessoa morta que teria, por descuido do fabricante, se misturado ao liquido de forma irrecuperável.

Dizia-se, na época, que um funcionário da fábrica de refrigerante havia caído em uma das maquinas e, como parte da matéria prima, no processo de produção fora devidamente triturado e engarrafado junto a bebida.

Depois, investigando melhor essa história, descobri que se tratava de uma lenda (será?) sobre um funcionário que teria sofrido um enfarte e caído no tanque. Como o liquido é escuro e ácido, seu corpo ficou submerso por muito tempo e em processo de decomposição avançado, seus pequenos pedaços foram engarrafados.

Depois de muitos anos compreendi que todo o mistério acerca do homenzinho da Coca-Cola se devia somente ao cuidado dos adultos em preservar as crianças de uma realidade ridiculamente aterrorizante. Exceto de minha tia, claro, que sempre comentava apavorada sobre o homenzinho e, agora me lembro com clareza, sofria censura dos outros adultos que mudavam de assunto rapidamente.

Mas quem poderia imaginar uma história tão descabida como essa? Muito mais lógico imaginar um homem pequeno vivendo dentro de uma garrafa de Cola-Cola!

Por essa e por outras histórias incríveis, agradeço a minha tia, que derramava sementes em forma de comentários impróprios e maravilhosamente instigantes.

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